Para poupar da doença, da marginalidade e da fome as crianças pobres da Irlanda, em 1729, o escritor Jonathan Swift sugeriu no panfleto Modesta Proposta (Modest Proposal, em inglês), aproveitá-las para o progresso do país na forma de alimento, servindo ainda sua pele para a confecção de luvas e calçados.
A violenta ironia levou tempo para ser compreendida. Este texto é um fragmento do Diário de Stella, iniciado em 1710, e que traz, como curiosidade para o leitor brasileiro, referências à invasão do Rio de Janeiro pelos franceses.
Tais textos ajudam a compreender porque o autor de Viagens de Gulliver, 277 anos depois de sua morte, aos 78 anos de idade, permanece inesgotável para críticos de renome que não cansam de dedicar ensaios à sua obra.
É um convite a reflexão sobre o eterno descaso dos governos em relação aos pobres, sempre vistos como um problema pelas elites políticas e pela sociedade. Programas sociais artificiais que enganam e não resolvem.
Numa época marcada pela rivalidade entre whigs (liberais contrários à ascensão de um rei católico) e tories (conservadores e defensores da coroa), Swift, era capaz de defender ora estes, ora aqueles, conforme a direção dos ventos da política e as circunstâncias que pudessem beneficiar sua carreira eclesiástica na igreja Anglicana.
Mas a verdade é que ele sempre ironizou as duas posições, pois julgava todos os políticos igualmente corruptos e incapazes (vem de longe!).
Tal posição lhe valeu popularidade e admiração de outro grande autor satírico inglês do século XVIII (18), Alexander Pope, e de polemistas como Richard Steele e Joseph Addison, criadores do The Spectador, um dos primeiros jornais ingleses.
Possuía uma grande capacidade para produzir frases geniais:
“Nós temos religião suficiente para odiarmos uns aos outros, mas não a que baste para nos amarmos uns aos outros”. Mais atual impossível!
Em 1708, sob o pseudônimo de Isaac Bickerstaff, o escritor reafirmou seu amor à verdade e sua aversão à hipocrisia e às ilusões do povo num panfleto que acusava o astrólogo Patridge de charlatão, profetizando sua morte próxima e iniciando uma polêmica que se estenderia por anos a fio.
Nas várias guerras de panfletos que se envolveu fez inúmeros inimigos. Em 1713, por intriga do arcebispo de York e da duquesa de Summerset (vítimas de sua pena), foi praticamente exilado na Irlanda ao ser nomeado deão da Catedral de St. Patrick, em Dublin – onde está sepultado.
Foi um defensor extremo da verdade e da liberdade – tão carentes nos dias atuais.
Desmascarando os falsos valores de seu tempo e da humanidade em geral, estes panfletos e textos satíricos, reunidos em livros como Jonathan Swift – Panfletos Satíricos (editora TopBooks, 1999, tradução de Leonardo Fróes), mostram que Swift não estava brincando.
É um escritor indispensável em qualquer boa biblioteca.