Assistindo vídeos da festa e do sorteio no Centro de Exposições e Convenções de Doha, para a Copa do Mundo de 2022, lembrei da primeira. Lembrei de 1930.
Como um apaixonado por história recorri aos livros. Lembrei de relatos e de curiosidades da primeira edição. Das dificuldades, das precariedades, da falta de infraestrutura de um mundo e de um esporte que dava seus primeiros passos para o profissionalismo. E não menos importante, para um continente que os europeus – hipócritas e prepotentes – olhavam com desconfiança.

Hollywood começava a influenciar comportamentos pelo mundo e o Swing também. Getúlio Vargas era nosso presidente. As novas tendências diziam que as mulheres deviam ser altivas, magras, elegantes, bronzeadas e independentes como as atrizes Greta Garbo e Marlene Dietrich.
Por isso a escolha do Uruguai pela FIFA não caiu muito bem. A Europa estava mergulhada numa grave crise econômica e o custo do deslocamento das delegações para outro continente teria, além de tudo, um custo altíssimo. Outro incômodo eram os clubes que não queriam abrir mão de seus jogadores.
Mas o presidente da entidade estava determinado. Firme no seu propósito, Jules Rimet, conseguiu persuadir alguns países.
Contrários ao profissionalismo, os britânicos não foram convencidos e ficaram de fora.
Todos os países filiados foram convidados pela entidade para o torneio e dois meses antes da data prevista, 28 de fevereiro, data limite, para que as seleções se registrassem, nenhuma nação europeia havia confirmado presença.
A forte crise mundial de 1929 envolveu a América do Sul e o Uruguai logicamente, enfrentando uma alta taxa de desemprego.
Outro problema dos anfitriões era o estádio. Um evento como uma Copa do Mundo não poderia ser realizado em estádios pequenos como o Estádio Pocitos (hoje demolido) do Peñarol e o Estádio Gran Parque Central do Nacional.
O governo doou, então, uma área para a construção de um estádio com capacidade para 80.000 mil pessoas.

Toneladas de terras foram removidas para rebaixar o terreno para proteger o gramado dos ventos que são fortes na região.
Das 13 seleções que participaram, sete eram da América do Sul (Brasil, Chile, Peru, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai), quatro da Europa (Bélgica, França, Iugoslávia e Romênia) e duas da América do Norte e Central (Estados Unidos e México).
A previsão para entrega da obra era 10 de julho, mas em decorrência das chuvas a obra sofreu um atraso. Dos 18 jogos da Copa, oito foram fora do novo estádio.
Dois jogos em Pocitos (França 4x1 México, em 13 de julho; e Romênia 3×1 Peru, em 14 de julho) e seis jogos no Gran Parque Central (Estados Unidos 3×0 Bélgica, em 13 de julho; Iugoslávia 2×1 Brasil, em 14 de julho; Argentina 1×0 França, em 15 de julho; Chile 3×0 México, em 16 de julho; Iugoslávia 4×0 Bolívia e Estados Unidos 3×0 Paraguai, em 17 de julho).
O estádio Centenário foi inaugurado em 18 de julho de 1930, com o Uruguai ganhando do Peru pelo escore mínimo.
O nome do estádio foi em comemoração aos 100 anos da Constituição da República do Uruguai.
O custo do estádio Centenário – hoje um monumento do futebol mundial – foi de mais de um milhão de pesos.
O nível de futebol apresentado foi muito alto e mesmo o público esperando um domínio supremo dos sul-americanos, os europeus não decepcionaram. Jogaram e jogaram muita bola.
O processo de montagem da nossa seleção não foi nada fácil em decorrência das brigas de egos entre cariocas (CBD) e paulistas (APEA) que colocavam seus interesses pessoais em primeiro lugar e não demonstravam nenhuma preocupação com a Copa.
No impasse, os cariocas tomaram a iniciativa e comandaram a formação da comissão técnica e não convocaram os grandes jogadores que atuavam no estado de São Paulo.
Como curiosidade, apenas um paulista foi chamado, Araken Petuska, do Santos, que brigou com o clube e aceitou a convocação.
Financeiramente o mundial foi um sucesso com uma receita de US$ 225 mil que permitiu aos uruguaios enfrentar sem dificuldades as despesas da competição.
O treinador brasileiro, Píndaro de Carvalho, convocou 24 jogadores:
Joel (goleiro) e Hermógenes (zagueiro), do América-RJ); Velloso (goleiro), Fernando, Fortes e Ivan Moriz (meias), e Preguinho (atacante), do Fluminense (RJ); Brilhante e Itália (zagueiros), Fausto (meia) e Russinho (atacante), do Vasco da Gama; Zé Luiz (zagueiro), Doca e Teóphilo (atacantes), do São Cristovão (RJ); Benvenuto (meia) e Moderato (atacante), do Flamengo (RJ); Manuelzinho e Oscarino (meias), do Ypiranga de Niterói (RJ); Pamplona (meia), Benedito, Carvalho Leite e Nilo (atacantes), do Botafogo (RJ); Poly (atacante), do Americano de Campos (RJ); Araken (atacante), do Santos (SP).
Grupo 1: Argentina (classificada), Chile, França e México;
Grupo 2: Iugoslávia (classificada), Brasil e Bolívia;
Grupo 3: Uruguai (classificado), Romênia e Peru;
Grupo 4: Estados Unidos (classificado), Paraguai e Bélgica.
Nas semi finais em jogo único, jogaram, Argentina x Estados Unidos, e Uruguai x Iugoslávia.

Data: 26 de julho
Local: Estádio Centenário
Jogo: Argentina 6×1 Estados Unidos
Público: 72.886
Árbitro: Jean Langenus (Bélgica)
Gols: Monti 20’, Scopelli 56’, Stabile 69’ e 87’, Peucelle 80’ e 85’ (Argentina) e Brown 89’ (USA).
Argentina: Botasso, Della Torre, Paternoster, Juan Evaristo, Monti, Orlandini, Peucelle, Scopelli, Stabile, Ferreira e Mario Evaristo.
Estados Unidos: Douglas, Wood, Moorhouse, Gallagher, Tracy, Brown, Gonsalves, Florie, Patenaude, Auld e McGhee.
Data: 27 de julho
Local: Estádio Centenário
Jogo: Uruguai 6×1 Iugoslávia
Público: 79.867
Árbitro: Almeida Rego (Brasil)
Gols: Vujadinovic 4’ (Iugoslávia) e Cea 18’, 67’ e 72’, Anselmo 20’ e 31’, Iriarte 61’ (Uruguai).
Uruguai: Ballestrero, Mascheroni, Nasazzi, Andrade, Fernandez, Gestido, Dorado, Scarone, Anselmo, Cea e Sekulic.
Iugoslávia: Jaksic, Ivkovic, Mihajlovic, Arsenijevic, Stefanovic, Djokic, Tirnanic, Marjanovic, Bek, Vujadinovic e Sekulic.
Final: 30 de julho
Local: Estádio Centenário
Jogo: Uruguai 4×2 Argentina
Público: 68.346
Árbitro: Jean Langenus (Bélgica)
Gols: Dorado 12’, Cea 57’, Iriarte 68’ e Castro 89’ (Uruguai) e Peucelle 20’ e Stabile 37’ (Argentina).
Uruguai: Ballestrero, Mascheroni, Nasazzi, Andrade, Fernandez, Gestido, Dorado, Scarone, Castro, Cea e Iriarte.
Argentina: Botasso, Della Torre, Paternoster, Juan Evaristo, Monti, Orlandini, Peucelle, Varallo, Stabile, Ferreira e Mario Evaristo.
Jules Rimet, presidente da FIFA, entregou o troféu “Victoire aux Alles d’Or”, uma estátua de 30 cm de altura, em ouro, pesando em torno de quatro quilos, ao capitão uruguaio José Nasazzi.
O povo uruguaio comemorou aquela conquista por vários dias. Ruas, praças e parques da capital Montevidéu, foram tomados por torcedores comemorando a grande conquista. No dia 31 de julho, o governo decretou data nacional.
O Uruguai ainda conquistaria o mundial de 1950 no Rio de Janeiro, quando venceu o Brasil de virada, por 2×1 no Maracanã.
O Uruguai, que já era Bicampeão Olímpico de futebol, nas conquistas de 1924 e 1928, conseguiu realizar com sucesso a primeira Copa do Mundo e dar o pontapé inicial para transformar o futebol no esporte mais popular do planeta.
Nota do colunista
De todas as fontes que busquei para este pequeno texto, um se destacou entre todos: Almanaque das Copas, que abrange os mundiais de 1930 até 2010, elaborado pelo meu ex-colega de TV Bandeirantes e meu amigo, João Nassif Filho.