Início com uma pergunta: por acaso vocês conhecem alguém que tem o hábito de deixar tudo para depois? E quando simplesmente deixam para depois, se desviam tanto do objetivo principal durante a preparação para aquilo que deveriam fazer que acabam não fazendo mesmo? Estou me referindo àquela pessoa que levanta com o firme propósito de que hoje, decididamente, começará a preparar seu currículo no computador.
Bem, mas para começar é importante dar uma arrumadinha na cadeira do escritório que está com a rodinha emperrada. Ok. Deve, para isso, comprar um óleo lubrificante naquela loja maravilhosa onde tem de tudo. Até uma lanchonete onde toma um sorvete delicioso, depois passa na livraria, vai para casa, mas já é hora do almoço. Depois do almoço começa a lubrificar a cadeira do escritório e aproveita para ver o que mais precisa de lubrificação em casa. Já está quase na hora da academia. Pronto. Hoje não dá mais tempo de preparar o currículo.
Ao se deparar com pessoas com este comportamento, com certeza no primeiro momento considera-se uma pessoa preguiçosa, mas evitar tarefas nem sempre é preguiça ou doença. Saiba que este comportamento pode ser nomeado como procrastinação; isto é, a protelação ou adiamento de uma ação decidida ser necessária. Cogita-se que 80% de pessoas consideradas preguiçosas, na verdade são procrastinadores frequentes e, como consolo, provavelmente 99% das pessoas devem procrastinar de vez em quando.
Com isso, a procrastinação acabou por adquirir uma conotação moral negativa, uma vez que é considerada um problema moderado ou grave e que a tendência para procrastinar interfere de forma negativa na qualidade de vida.
As pessoas tendem naturalmente a procrastinarem a dieta, a arrumação dos armários, check-up médico, entrega da declaração do Imposto de Renda (veja que mais da metade dos contribuintes entregam a declaração nos últimos dias, apesar do prazo ser longo para isso) e outras coisas que podem ser consideradas aborrecedoras. Diferenciando das atividades prazeirosas, visto que a maioria das pessoas não procrastina atividades prazeirosas, tais como comer, beber, transar, assistir filmes, ouvir música e assim por diante. Jogar um futebolzinho com amigos não é procrastinado, enquanto fazer o mesmo esforço físico em academia de ginástica tem uma enorme chance de ser protelado.
As razões psicológicas atribuídas à procrastinação não se verificam na clínica psiquiátrica. Diversas explicações já foram tentadas para explicar esse comportamento, tais como medo do fracasso, mentalidade autodestrutiva, perfeccionismo paralisante e muitas outras alegações que soam mais como uma fantasia teórica do que uma realidade constatada. Em termos do prazer, pesar o presente versus o custo e benefício de ações futuras parece ser a dinâmica emocional predominante dos procrastinadores.
Nem sempre é a natureza da atividade quem determina a procrastinação. Atividades prazeirosas por si mesmas podem ser procrastinadas quando a pessoa experimenta um certo desprazer pelo compromisso ou obrigatoriedade; “ter que” fazer é mais problemático que a atividade em si. Na procrastinação a valorização íntima dos impeditivos para que termine algumas tarefas que começam são muito mais considerados psicologicamente do que os estímulos para terminá-las. Assim, diante dos mínimos empecilhos a motivação pode acabar esmaecendo.
Psicologicamente os prazeres valorizam o agora: vadiar agora e trabalhar depois. Atender às obrigações requer um empenho especialmente motivado por conceitos culturais do dever. Mesmo que a execução de uma atividade aborrecedora resulte em benefício futuro, como por exemplo, pagar antecipadamente uma multa para usufruir o desconto. O apelo emocional para negar esse compromisso que repudia pode ser maior que os benefícios do desconto.
Procrastinar, nesse caso, é uma espécie de protesto íntimo. A procrastinação e suas conseqüências emocionais talvez resultem da contraposição entre o tempo psicológico de cada um, geralmente em concordância com os desejos, e o tempo social, definido pela cronologia cultural e baseado na racionalidade absoluta.
A falta de autocontrole que acaba fazendo com que as pessoas adiem atividades para as quais deveriam dar prioridade pode parecer uma forma impulsiva de comportamento ou uma perda do senso crítico e racional da situação. Mas o assunto é muito mais complexo. Uma vez que, aquele que procrastina prioriza coisas menos importantes em vez de direcionar suas ações para aquilo que seria mais necessário realizar.
Ora, primeiramente deve preocupar-se em saber o que é uma coisa menos importante, e para quem é menos importante. A procrastinação merece atenção especializada quando resulta em prejuízo sócio-ocupacional significativo, quando produz acentuado estresse, ansiedade, angústia, depressão e graves sentimentos de vergonha e de culpa pelo não cumprimento de responsabilidades e compromissos, e quando ela produz sofrimento. Os exemplos desse sofrimento são variadíssimos; instabilidade familiar, perda econômica, ansiedade, estresse, sentimentos de culpa, perda da produtividade, baixo rendimento escolar e assim por diante. Atenção.
‘A maioria de nós começa o dia procrastinando, ao apertar aquele botão do despertador que permite ficarmos na cama por mais cinco minutinhos’ – Joseph Ferrari.
Até a próxima semana…